terça-feira, 13 de agosto de 2013

inferno

Um pintor retratou um homem sentado em um bloco de gelo. Nesse quadro não havia flores nem pássaros, só o homem e o bloco de gelo.
O céu era branco, sem nenhuma nuvem, e mão havia ninguém a não ser o homem sentado no bloco de gelo.

Um bom observador notaria o olhar desesperado e a expressão abatida. Sentiria toda a angústia que a imagem transmitia. O pintor retratou o pior  castigo que podemos nos infligir: a solidão; e o batizou com o único nome que poderia receber: inferno.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O OUTRO



Roberto chegou mais cedo em casa naquele dia. Sem qualquer aviso, sem motivo aparente. Nada dissera no escritório, qualquer justificativa que fosse, pegou suas coisas e saiu. Há meses a dúvida lhe corroía a paz, debilitava seu raciocínio e comprometia suas funções. Qualquer momento de distração e “zás”, seus pensamentos estavam concentrados no que ela estaria fazendo em sua ausência! Tentou corrigir a si mesmo, advertir sua consciência da tolice que estava cometendo em duvidar daquela mulher, a mulher de sua vida! Ela que havia se apaixonado por ele no instante em que soube de sua existência, que suportava sua melancolia, seus atrasos, seus hábitos irritantes (como chupar o osso da cocha da galinha emitindo um estalo com a língua entre os dentes), suas dicotomias. E tudo sem exigir nada em troca! Aquela mulher era a mulher! Mas há alguns meses seu comportamento estava mudado. Ele percebeu no dia em que saíra sem avisar e ela não o interrogou quando voltou para casa. Nenhuma pergunta sequer. Ele que já tinha pensado em como justificar-se sem lhe magoar, sem ser rude, mas ela nem quis saber. Algo mudou! Passou a perceber que em alguns dias quando voltava do trabalho a encontrava com aquele sorriso de Monalisa. Sorriso misterioso, como a esfinge que diz a Édipo: “Decifra-me ou te devoro”. E a dúvida se instalou em sua mente: Teria ela encontrado outro homem? Passou a ficar em casa nos finais de semana. Nada de futebol com os amigos, nada de cervejas ou conversas animadas. Do trabalho para casa e de casa para o trabalho. Enquanto ele estava em sua companhia tudo era perfeitamente normal, mas nas terças e quintas ele voltava e via aquele sorriso! Roberto não suportava mais! Hoje seria o dia de esclarecer tudo e se ele estivesse errado (e com a graça do poderoso Deus estaria) pediria desculpas solenes e ambos iriam rir disso no sofá da sala, assistindo a novela das oito. Abriu a porta silenciosamente e avançou em direção ao quarto dela. Ninguém. Então ouviu risos na cozinha. Risos! Havia um homem ali. Traidora! Como pôde fazer isso? Como? Ele ia dar um escândalo, dizer verdades e distribuir socos em quem profanou o santuário do seu lar. Ao chegar na cozinha não acreditou no que viu. Seu Manoel, o simpático velhinho, vizinho de longa data, à mesa tomando café em frente a ela, suas mãos velhas e enrugadas sobre as dela, denunciando sua intimidade! Ela então o viu, ficou assustada sem saber o que dizer e o que saiu de sua boca foi uma frase clichê: _ Eu posso explicar! Não é isso que você está pensando! Roberto não precisava de explicações. “Eu vi tudo, mamãe! Não há mais espaço para mim nessa casa. Vai ser melhor para nós dois”. E foi arrumar suas malas. Ela o seguiu, como toda mãe faria. Ele continuou, inexorável. Dona Maria quis chorar, mas se conteve. Seu bebê ainda voltaria, ela sabia disso. Na cozinha Seu Manoel estampava um sorriso de triunfo. Dona Maria ainda abençoou o filho e disse que poderia voltar quando quisesse. Pobrezinho, como vai viver sem mim? Roberto tinha apenas trinta e cinco anos. Uma criança aos olhos da mãe.

domingo, 11 de agosto de 2013

Um conto para um pai

Depois de uma longa vida, José morreu.

Ele soube que ia morrer algumas horas antes, embora os médicos tenham dito aos seus familiares que seu quadro clínico havia melhorado. Mas ele não foi o primeiro idoso a sentir-se bem pouco antes de partir. Com as forças que possuía, pediu para a esposa chamar os quatro filhos e deu os conselhos finais a todos, pediu paciência com os erros dos mais novos e a estes pediu que escutassem com atenção as palavras dos mais velhos. Sorriu e disse que deixava sua esposa ao cuidado deles e por fim, desejou que todos pudessem perdoá-lo pelas suas faltas. Então, como se fosse dormir, José fechou os olhos e morreu.

Após deixar o corpo José teve medo. Na verdade, sempre temeu aquele momento. Era um pecador, um homem rude que pouco leu em sua vida e que agora não tinha mais tempo para corrigir nada. Mas o medo o abandonou e ele só sentia a paz. Estava diante do infinito, e não importa para onde olhasse, só via um espaço branco formado por nuvens.

_ Eu estou no Céu? Perguntou em alta voz.
_ Ainda não José.
Havia um homem simpático ao seu lado. Um pouco mais velho que ele, mas que irradiava força e bondade.
_ Então é o purgatório?
_ Não. Você acha que merecia o purgatório?
_ Tive meus pecados.
_ Vocês costumam ser muito severos. Pedem perdão pelos pecados e não aceitam que foram perdoados. Continuam a se castigar mesmo depois que alcançam o perdão. Você rezava o Pai Nosso todas as noites com sua esposa antes de dormirem. Vocês os ensinaram a todos os seus filhos. Será que nunca escutou ‘perdoa as nossas ofensas assim como perdoamos a quem nos tem ofendido’? Deus escuta as preces sinceras, José. Escuta e as atende.
_ A gente tem medo de não agradar a Deus.
_ Você foi um bom pai, José. Ensinou seus filhos o que era certo e o que era errado, se sacrificou por eles, foi amigo, companheiro e era um homem justo. Seus filhos o amavam tanto que não o desobedeciam porque não lhe queriam mal. Ver você triste era para eles o pior do castigo. Isso é amor. Deus é Pai, José. Revelou-se e ensinou seus filhos, e eles o obedecem por amor e não por medo.
_ Eu sempre tive fé em Deus, mas não fui daqueles que saíam convidando para ir a Igreja. Eu achava isso bonito, mas nunca tive coragem de fazer.
_ Todos recebem um dom. Uns catam, outros oram, outros explicam a Palavra, mas todos, todos mesmo, devem saber amar. E você amou muito! Você era pedreiro, certo? Você trabalhou honestamente, deu esmolas, aconselhou os amigos a fazerem as coisas certas, não mentiu ou fraudou ninguém e ainda ajudava vizinhos a fazerem pequenos reparos que eles nunca tinham meios de pagar. Você tinha pouco, mas partilhava o que recebia e transformava esse pouco em muito. Uma vez organizou seus amigos e todos trabalharam de graça para fazer uma casa de tijolos para uma senhora que criava dois netos e morava em um barraco erguido com restos de madeira, lata, lona e papelão. Porque você fez isso?
_ A coitada não tinha ninguém por ela. Ficou sozinha com os netos e a gente não podia ver aquilo sem fazer nada. Os pobrezinhos eram filhos de Deus.
_ Você levou Deus até eles. Seus amigos sentiram a felicidade de fazer o bem se esperar recompensas, de ajudar quem realmente precisava e quando entregaram a casa aquela senhora todos se sentiram em paz, porque Deus estava com eles, os confortando e agradecendo em seus corações. Deus está em tudo e em todos, José. Em cada ato de bondade e de misericórdia. Em cada perdão e em cada gesto de amor. Não há maior benção para um pai do que a felicidade de seus filhos. E como os pais ficam contentes ao perceberem que seus filhos se tornaram homens e mulheres de bem. Deus é Pai.
_ Meus filhos me chamavam de Painho.
_ É a intimidade que o amor permite. Jesus também chamou Deus de Painho. Ele chamava Deus de Abba, que em sua língua seria Painho.
_ Vendo assim eu fico contente. Acho que cuidei bem da minha família. Tenho pena da minha esposa. Vai ficar sozinha.
_ Você cuidou bem de sua família. Seus filhos desejam serem bons pais e boas mães porque tiveram um bom pai e tem uma boa mãe. Vocês souberam acolher Deus entre seus filhos e eles cuidarão dela com amor. As pessoas geralmente dão o que têm, e só têm aquilo que recebem. Você os deu muito amor.
_ Então sei que posso encontrar Deus sem ter vergonha do que fiz.
_ Você já o encontrou, José. Encontrou Deus quando ajudou a quem precisava, quando visitou os doentes, quando repartiu seu pão e o viu todos os dias nos olhos de sua esposa e de seus filhos. Agora você estará mais próximo dele. Colherá os frutos que plantou.
_ E pensar que cheguei a temer esse dia. – Disse José enquanto as nuvens se abriam e ele vislumbrava a Glória.
_ Deus é Pai, José. Só os filhos desobedientes e perversos têm medo do seu pai.



Emerson Luiz.

REFLEXÃO DE DOMINGO - Não sabemos nem o dia nem a hora




O Evangelho meditado hoje é o de Lucas (Lc 12, 32-48). Nele, Jesus nos diz primeiro que o medo não nos pode dominar, porque foi do agrado de Deus nos conceder as chaves do Reino. O ser humano foi resgatado na pessoa de Jesus e passou a fazer parte do Reino de Deus e isso implica em mudança, em uma grande transformação. A economia da salvação nos impele a ter posturas diferentes diante do mundo em que vivemos. Uma das ações provocadas pelo encontro com Jesus é o desapego das coisas materiais, "vendei vossos bens e dai esmolas", "juntai um tesouro nos céus" e lembremos de que "onde está teu tesouro estará ali teu coração".

Nosso tesouro é possuir as chaves do Reino. Mas essa posse está vinculada a nossa postura diante do que Deus espera de nós. É necessário estarmos preparados para o encontro com Ele. Jesus conta-nos uma parábola sobre os operários que esperaram o seu Senhor, fazendo sua vontade mesmo em sua ausência. Quando este retorna se alegra e serve seu empregados, feliz por encontrá-los vigilantes e fazendo o que era de sua vontade. Mas se esse Senhor retorna e encontra o seu administrador bebendo e sendo injusto com seus empregados por julgar que seu retorno seria demorado ele o tratará de forma severa e este administrador será muito castigado.

Nós somos os administradores eleitos por Jesus e é necessário que pensemos com cuidado sobre isso. Como estamos administrando o que ele nos confiou? O planeta sente as dores por nosso descuido, sofre por nossa ganância e milhões de seres humanos, filhos e filhas de Deus, padecem sem água, comida, moradia e condições mínimas de sobrevivência enquanto planejamos viagens de férias ou a compra de um carro novo. Onde está o nosso tesouro? Em quê depositamos nossa confiança?

Como tratamos nossos amigos e familiares? Como se sentem esposos e esposas? São tratados como pérolas ou como servos que devem apenas obedecer aos mandos e desmandos de um administrador injusto? A medida que se usa para julgar os atos dos outros e condenar seus erros é a mesma que usamos para avaliar nossos próprios atos? Somos todos chamados a, em Jesus, nos tornarmos novos homens e mulheres, a conhecermos a verdadeira felicidade e nos alegrarmos com a Boa Nova do Reino de Deus. Do encontro pessoal com o Cristo, o filho do Deus Vivo, encontramos também a esse pai amoroso e misericordioso e nenhuma experiência de vida se iguala à plenitude do encontro com Deus. É esse encontro que nos permite vencer o mundo! Que sejamos servos atentos e que em tudo possamos fazer a vontade do Nosso Senhor!

Um ótimo domingo e que Deus nos abençoe a todos.

Emerson Luiz

sábado, 10 de agosto de 2013

UM BELO POEMA PARA O DIA DOS PAIS



O poema chama-se "Se" de Rudiard Kipling e traz os conselhos de um pai para seu filho. Belíssimo:

Se 

Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.

Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.

Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!

Rudyard Kipling

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

ESPELHO, ESPELHO MEU

               



Amanda estava pronta. Cabelo escovado, maquiagem leve, lentes de contato para deixar os olhos ainda mais azuis, short bem justo para dar uma valorizada no visual e aquele corpinho lindo que Deus lhe deu. Os olhos fizeram uma rápida varredura no quarto e logo encontraram o item mais importante da manhã: o seu celular. Agora sim, tudo pronto. Então, quando finalmente ia começar batidas na porta cortaram o seu sorriso.
_ Amanda!
_ Oi, mãe! – Ela correu na vã tentativa de tentar impedir a mãe de entrar, mas poucas coisas no mundo são tão rápidas quanto mães curiosas a respeito da vida das filhas. Em poucos segundos dona Laura estava no quarto.
_ Vai sair filha? Está tão arrumada.
_ Não, mãe. Vou ficar em casa estudando para a prova. A senhora queria alguma coisa?
_ Só ver você. Quer que traga um lanche? – Ah, as mães.
_ Estou sem fome. Agora vou estudar. – Era o sinal para que ela saísse. Assim que Laura passou pela porta, Amanda se trancou. Pegou o celular e foi direto para a frente do espelho. Fez caras e bocas, poses e mais poses, cada movimento um clique. Vinte minutos depois sentiu-se satisfeita.
_ Terminou? Uma voz grave ressoou dentro do quarto. Amanda pensou em gritar, mas antes disso a voz continuou: _ A senhora não fez as mesmas perguntas, então resolvi perguntar.
_ Quem está aqui?
_ Eu estou, ora. – Então ela percebeu que a voz vinha do espelho.
_ Eu devo ter enlouquecido.
_ Provavelmente. A  não ser que o hábito de fotografar-se em frente ao espelho para expor sua intimidade seja algo são.
_ Ei, todo mundo faz isso!
_ Eu gostava mais quando diziam: “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela que eu?” e, então, eu respondia todo solene: “_ Não, majestade. Sois a mais bela e isso é a verdade”. Aí a rainha envelhecia, ficava obsessiva e pedia o coração de uma bela jovem numa bandeja. Coisas casuais com que todos estão acostumados. Mas vocês inventaram as fotografias digitais e as redes sociais e nós, espelhos mágicos passamos por a maior crise econômica da história.
_ Foi mal, seu espelho. Mas bem que eu queria saber:  existe alguém mais bonita que eu?
_ A Marcinha.
_ Mas a Marcinha é dois anos mais velha que eu e é bumduda! Gritou com raiva.
_ Por isso. Respondeu friamente o espelho.
Amanda ficou fora de si e tirou o espelho da parede. Foi até a frente da casa e o deixou lar para ser recolhido pelo lixeiro ou por algum catador.
_ E só não lhe quebro porque dá azar. Marcinha. Hum! E saiu.
Horas depois um catador com uma carroça recolheu o espelho.
_ Quem jogaria um espelho tão bonito assim?
Temendo pelo seu futuro nas mãos de quem vive de reciclagem o espalho contou sua história ao humilde catador.
_ Ainda bem que não fumei nada hoje.
O catador já havia sido programador. Ele havia escrito algumas linhas de comando do Internet Explorer e disse que o Google e o Firefox eram coisas passageiras. Assim explicara sua pobreza.
_ Espelho, meu amigo, nossos problemas acabaram.
O homem explicou ao espelho o que eram aplicativos para Tablet, Smartphone, Iphone e celulares e transformou os espelhos mágicos desempregados em um moderno aplicativo para facebook onde você posta fotos automaticamente e descobre quem te acha a mais gata. Quem ganha mais curtidas vira capa do site do programa. Ganharam milhões e viveram felizes para sempre.

E mesmo depois disso Marcinha continuou mais  bonita que Amanda.


Emerson Luiz

SOBRE O PROFESSOR QUE NUNCA REPROVOU NINGUÉM



Hoje li um texto, no mínimo, interessante. Intitulado “Professor que nunca havia reprovado um aluno” a peça literária – vou chama-la assim – foi elaborada para fornecer argumentos contra o socialismo e apontar a concorrência e a meritocracia como ferramentas exclusivas para o bom rumo da sociedade (capitalista, é claro). Após narrar o “experimento” realizado por um suposto professor de economia que dividiu as notas dos alunos pela média da classe, que progressivamente foi baixando de nível até que todos os alunos, até os excelentes, fossem reprovados. Nessa lógica que poderia ter sido elaborada por Mirian Leitão, Gustavo Ioshippe ou outro grande economista midiático, muitos alunos deixariam de se esforçar confiando no desempenho dos que realmente queriam aprender, e quando a maioria fez isso prejudicou toda a turma. É uma forma de “provar” que o socialismo ou qualquer governo que queira fixar impostos mais altos para os que ganham mais irá, fatalmente, prejudicar a todos. Esses são os pontos defendidos pelo autor do texto:

1. Você não pode levar o mais pobre à prosperidade apenas tirando a prosperidade do mais rico;
2. Para cada um recebendo sem ter de trabalhar, há uma pessoa trabalhando sem receber;
3. O governo não consegue dar nada a ninguém sem que tenha tomado de outra pessoa;
4. Ao contrário do conhecimento, é impossível multiplicar a riqueza tentando  dividi-la;
5. Quando metade da população entende a ideia de que não precisa trabalhar, pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando esta outra metade entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade, então chegamos ao começo do fim de uma nação.

Argumentos simplistas e reducionistas como esses seduzem as mentes mais frágeis a corroborarem com essa tese sem qualquer fundamento científico e crivada de ideologias elitistas. Ela serve para legitimar preconceitos contra os que dependem da intervenção estatal e para gerar jovens que defendam o modelo neoliberal e predatório e que sejam contrários a ideias que nunca conheceram. Taxar proporcionalmente não é tirar a prosperidade do rico, é ser justo com o mais pobre. São programas de distribuição de renda que estão reduzindo a desigualdade social desse país e oferecendo melhores condições de vida para milhões de pessoas. O argumento do “professor que nunca reprovou ninguém” serve para banqueiros, investidores, donos de empresas e nossa burguesia preconceituosa e burra doutrinarem os mais pobres a manter o sistema que os sustenta. “O professor que nunca reprovou ninguém” merecia ser reprovado junto com toda a turma. Ele por seu preconceito disfarçado de intelectualidade e a turma por ter aceitado essa falácia como verdade científica e instrumento de avaliação. E se você acredita nos argumentos desse texto sem pesquisar por evidências concretas, bem, talvez mereça algum tipo de castigo também.
Emerson Luiz  

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

A FÁBULA DE PEDRO - PRIMEIRO CAPÍTULO

Aqui você encontrará um romance nunca publicado. "A fábula de Pedro", escrito para minha esposa quando celebrava seu aniversário. A história narra as descobertas de um jovem pescador que procura conhecer o mundo e acaba encontrando a ele mesmo através de uma série de experiências de vida. A cada semana postarei um novo capítulo. Espero que gostem e comentem sobre a história. Um forte abraço:

Emerson Luiz





O INÍCIO

    Uma vez assisti a uma peça de teatro da qual não lembro o nome. Ao dizer isso, percebo o quanto a nossa memória às vezes pode ser engraçada, e como o nome de coisas que nos marcam tanto podem ser tão facilmente esquecidos. 

    Talvez o que nos marque não seja o nome, mas a coisa em si. Shakespeare já havia dito algo semelhante nas falas de Julieta: “Uma flor deixaria de exalar seu perfume se tivesse outro nome?” O fato é que não lembro o nome da peça, mas lembro que era uma história infantil. O enredo era simples, com um príncipe encantado que salvava uma jovem humilde e perseguida que no final revelava ser o grande amor de sua vida. Mas o que chamou minha atenção foi a presença de um narrador. Era um rapaz alto e magro, com uma voz grave, que surgia para intervenções que o autor julgou necessárias.

Lembro que ao final da peça alguém comentou que foi um erro. “Não se faz uso desse recurso nos dias de hoje”. Pensei que a crítica seria mais relevante se a pessoa que a proferiu tivesse escrito ao menos uma carta em sua vida, mas parece que é sempre mais fácil condenar que elogiar. No entanto, refleti muito sobre a presença do narrador após a crítica da qual discordei.

Pensei que o autor usou o narrador para que sua mensagem não se perdesse na gama quase infinita de interpretações que as crianças poderiam fazer. Ele queria transmitir algo e não desejava que a mensagem se perdesse em meio ao riso e ao espanto do seu público. A maquiagem da bruxa, as canções de rima fácil com seus duns, duns, duns... e o narrador ficou em minha memória. O narrador na verdade era a imagem do autor, o homem que contava a história.

Talvez eu soubesse que um dia também teria de contar uma história que não fosse minha. Não um conto de fadas, pois as feras e bruxas malvadas do mundo real são mais comuns e perigosas, elas não seguem estereótipos.

Tenho o dever de revelar um mistério, mas apenas ao final. A preocupação que a mensagem se perca ao fim da história também me abate, pois às vezes a emoção nubla nossos sentidos e acabamos por dizer o que não pretendíamos ou omitir aquilo que há pouco parecia essencial. Quando as cortinas se abriram só havia o narrador no palco, disso lembro perfeitamente. Com sua voz grave pronunciou o poema de abertura que tentei lembrar mas não consegui. Algumas partes ainda estavam presentes, mas as outras se apagaram entre o vermelho das cortinas e a luz que projetava sua enorme sombra no que seria uma floresta. Se pudesse iniciar a história que devo contar, não no teatro, mas como em um dos belos filmes de Hollywood, iniciaria com uma tela preta. A música começaria a tocar, ainda lenta e baixa, enquanto a tela abria, mostrando grandes serras azuis.

Imagens aéreas mostrariam o topo das serras, e depois iriam focando uma estrada. Nessa seqüência de imagens a música iria ganhando tons mais altos, mas a melodia ainda seria triste. Seguindo a estrada que possuiria apenas dois ou três carros em trânsito, a câmera enfocaria uma casa muito antiga e se aproximaria lentamente.

Dentro da casa, poderíamos percorrer os seus cômodos. Uma pequena sala com poucos móveis: um sofá de dois lugares, uma poltrona, um centro de madeira e um televisor preto e branco. Na parede um retrato amarelado de uma família. Mais a frente, portas fechadas de dois quartos e uma cozinha, tão pequena quanto a sala, com uma mesa de quatro lugares, um refrigerador branco e um fogão já gasto pelo tempo. Sobre a mesa, uma xícara de café e um jornal. A porta que leva ao quintal aberta, e fora da casa, um homem está sentado em sua cadeira de balanço sob a sombra de uma árvore. Em suas mãos se encontram um diário e uma caneta. De onde ele está se pode ver as serras de longe. Então olhando para elas suspira e só depois começa a escrever...


CAPÍTULO UM 
A PRAIA 


Onde um jovem decide ir em busca de um sonho, ocorre uma conversa com um sábio ingênuo e se tenta ouvir o barulho do sol se apagando nas águas do mar. 

O nome do rapaz era Pedro. Naquela manhã ele andava na praia como costumava fazer desde a sua infância quando o fazia na companhia de seu pai. Os anos passaram e ele passou a ter necessidade de caminhar sozinho. Não que amasse menos o seu pai, mas nesses instantes de solidão sentia-se mais próximo dele mesmo. Era o seu minuto com ele, onde revelava sentimentos e fantasias que escondia durante todo o tempo de todos a sua 
volta, e por mais estranho que pudesse parecer, dele também. 

As ondas, sem qualquer força ou agressividade, morriam na areia da praia, acariciando seus pés enquanto caminhava. O vento, ainda frio no início da manhã, trazia o perfume de terras distantes, de um mundo novo a ser desbravado. 

Ele olhava para a imensidão do mar, procurando ver muito além do movimento das águas. Deixava que seus olhos se perdessem no horizonte, em cidades fantásticas repleta de mistérios e segredos. Um mundo de aventuras, um mundo que ele desejava conhecer embora não soubesse como. 

Durante muitas manhãs percorreu aquele caminho, se afastando da aldeia de pescadores onde vivia e indo até onde se localizava as ruínas de um antigo forte, construído pelos invasores estrangeiros que dominaram aquelas terras. Os mais antigos diziam que quando o povo decidiu lutar por sua liberdade, as mulheres, crianças e velhos venceram uma tropa que se dirigia à vila tentando minar a resistência. Pedro gostava da história, mas 
lamentava nunca a ter visto em um livro. Percorreu a trilha até as ruínas e lá ficou. Entre as pedras ainda havia os restos de um antigo canhão. Quando era criança gostava de imaginar que defendia a todos de um ataque pirata. Os piratas naquela época lhe 
pareciam cruéis, pois vinham roubar o seu tesouro. Com o passar do tempo, ele mudou de lugar e se imaginou um pirata, singrando pelos mares em busca de um tesouro maravilhoso. Houve dias em que seu tesouro era composto por pedras preciosas: safiras, diamantes, rubis, turmalinas, e toda a infinidade de brilhantes. Em outros, era um galeão espanhol que havia naufragado cheio de ouro inca. Nesses dias, a sua missão era resgatar o tesouro no fundo do mar, o que era difícil, pois teria de enfrentar monstros desconhecidos. Mas depois de um tempo, ele não era nem defensor da ilha nem pirata, era um dos três filhos de um pescador. O tesouro desapareceu de sua imaginação e o seu coração deixou de se aventurar. 

Foi aí que conheceu a tristeza de pensar em terminar seus dias em uma ilha. Ele amava aquele lugar, conhecia cada centímetro dali como conhecia cada uma das marcas de sua mão. De tanto observar o mundo a sua volta podia saber quando seria um belo dia de sol ou quando uma tempestade se aproximava. Pelo modo como as pessoas andavam podia dizer se estavam tristes ou alegres, pois era uma aldeia pequena, e todos se conheciam. Era um lugar calmo, que qualquer visitante descreveria como paradisíaco, mas 
em seu íntimo Pedro sentia o desejo de ir além, um desejo que a cada dia se tornava maior, algo que o inquietava e o consumia. Das ruínas do forte ele voltou a contemplar o mar. Lembrou que um dia aquele mesmo mar escondeu um tesouro fantástico, e agora, era apenas o símbolo de algo inalcançável, algo que ele queria de uma forma estranha, 
pois era capaz de desejar, mas não conseguia definir o que buscava. Depois  de muito olhar o movimento das ondas, deitou-se na sombra de um coqueiro e adormeceu. 

Num sono profundo, o jovem Pedro estava novamente em um navio. Ele não era um pirata, mas estava feliz. Em seu sonho percorreu o mundo, deslumbrou-se com a beleza das pirâmides, da torre Eiffel. Penetrou no Taj Mahal e caminhou pela imensa muralha da China. Percorreu um mundo que antes era conhecido apenas por livros, e depois disso chorou. Chorou por algo que havia se perdido no caminho. Então acordou com os olhos cheios d’água. 

Já era tarde. Os tons do entardecer já começavam a pintar o céu e as nuvens eram mais espessas, sopradas do oceano para a costa. Bateu a terra da suas vestes e pôs-se a caminhar de volta para casa. No caminho encontrou um menino sentado a observar o pôr-do-sol. Era um menino loiro, a pele branca, mais branca do que de qualquer uma das 
outras crianças da ilha, sempre bronzeadas pela exposição ao sol. Tentou lembrar de quem aquele menino era filho, pois não era bom para uma criança estar tão longe de casa e sozinha naquela hora, mas ficou surpreso ao perceber que não conhecia o menino. 

O vento soprava e fazia os cabelos do menino balançarem como trigo ao vento. Pedro nunca havia pisado em um campo de trigo, mas uma vez vira uma fotografia em um livro, e no texto abaixo lera algo sobre o movimento do vento sobre o trigo, e por isso associou uma coisa a outra.
 _ Menino, o que faz tão longe de casa? 

A criança o olhou com aqueles olhos azuis tão profundos quanto o próprio oceano. 
_ Psiu! Se fizer barulho agora, não poderei ouvir. 
_ Ouvir o quê? – Pedro só podia ouvir o vento soprando e as ondas quebrando-se ao chegarem próximo à praia. 
_ O barulho do sol se apagando quando começar a se pôr dentro do mar! 
Pedro sentiu vontade de rir. O sol se apagando dentro d’água. O sol que estava a milhões e milhões de quilômetros deles! 

_ Desculpe criança, mas o sol não vai se apagar. 
O menino o olhou de novo, dessa vez o azul dos seus olhos pareceu se tornar mais escuro. 

_ Então você se tornou como as outras pessoas grandes. Uma pena, vou ter de ouvir a música que o sol faz quando se apaga sozinho mais uma vez. _ Como? 

_ Foi meu pai que me ensinou a ouvir isso. Ele disse que sempre devemos procurar nos encantar com os milagres ocultos da vida, coisas que a maioria não consegue ver nem ouvir. Meu pai me disse que as pessoas grandes se ocupam de muitas coisas, se entristecem planejando um futuro que talvez nunca chegue e perdem o mais importante. Desejam tanto, mas tem medo de ir à busca dos seus sonhos, e por isso, não conseguem achar os tesouros que a vida esconde para nós. Perdem tempo se preocupando 
com o amanhã e esquecem que viver o hoje já basta. 

“Eu sonho em ser mergulhador. Um dia, vou encontrar um galeão espanhol que naufragou cheio de ouro. Vai ser uma grande aventura! Mas enquanto não sou grande nem forte o bastante, gosto de ouvir o barulho que o sol faz quando toca a água, e a música que vem depois disso”. 

Pedro sentiu vontade de corrigir o menino. De lhe dizer tudo o que seu velho professor certa vez falara. Da distância dos astros, da imensidão dos oceanos e todas as outras coisas que sepultaram seus sonhos de encontrar tesouros. Desejou repetir as palavras do seu pai: “Sonhos não trazem comida para a mesa”. Mas o menino não merecia perder suas esperanças como ele, não enquanto ainda era tão jovem. 

_ Meu pai me disse que todo mundo deve aprender a ouvir o seu coração, continuou o menino, é nele que se encontra a chave para achar tesouros perdidos. 

Pedro decidiu seguir em frente e deixar o menino para trás. Deu alguns passos e lembrou que em breve o sol iria se pôr e seria perigoso para ele voltar sozinho. Quando virou para adverti-lo sentiu o coração se comprimir ao ver que não havia ninguém ali a não ser ele. 

 *** 




Naquela noite Pedro fez uma prece silenciosa. Deitado em sua rede ele pediu a Deus que lhe desse a coragem suficiente para ir em busca do seu sonho. “Não conheço o mundo, mas sei que não irei encontrar a felicidade aqui. Ajuda-me a encontrar meu caminho Senhor!” 

E na manhã seguinte, Pedro comunicou aos pais e irmãos que iria embora da ilha. Sua mãe chorou, o pai tentou lhe incutir bom senso e alguns de seus irmãos o acusaram de ser louco. 

“Louco é quem não percebe que o medo de sofrer é pior que o próprio sofrimento”, pensou. “As vezes precisamos correr riscos para descobrir a liberdade”. E foi assim que o filho de um pescador, um jovem chamado Pedro, decidiu abandonar a aldeia onde nascera para se aventurar na busca um tesouro que ele ainda não conhecia. 



Tarde no mar 

A tarde é de ouro rútilo: esbraseia. 
O horizonte: um cacto purpurino. 
E a vaga esbelta que palpita e ondeia, 
Com uma frágil graça de menino, 


Pousa o manto de arminho na areia 
E lá vai, e lá segue o seu destino! 
E o sol, nas casas brancas que incendeia, 
Desenha mãos sangrentas de assassino! 

Que linda tarde aberta sobre o mar! 
Vai deitando do céu molhos de rosas 
Que Apolo se entretém a 
desfolhar... 


E, sobre mim, em gestos 
palpitantes, 
As tuas mãos morenas, milagrosas, 
São as asas do sol, agonizantes... 



 Florbela Espanca 



terça-feira, 6 de agosto de 2013

Serpentes não voam.


Serpentes não voam.


Serpentes não voam, não é de sua natureza.

E talvez por isso rastejem. Ou, além disso, rastejem por não ter pernas.
Ou, além disso, por não suportar olhar o céu, passaram a viver sempre mais próximo do chão. E vivendo com o ventre, o coração e o pensamento no chão, passaram a rastejar. Ou, além disso, começaram a rastejar por não acreditar em mais nada, e sem acreditar em mais nada, passaram a se sentir inferiores, e, sentindo-se inferiores, não puderam mais caminhar, e sem poder caminhar, perderam as pernas.

Talvez sem as pernas as serpentes não quisessem mais produzir nada. E, talvez por isso, tenham perdido também as mãos. E perdendo pés e mãos e sendo incapazes de voar, elas passaram a odiar todos que podiam andar com as próprias pernas, produzir com as próprias mãos, olhar para o céu e voar. E odiando a todos, incluindo sua incapacidade de andar, produzir, olhar adiante e voar, elas passaram a produzir veneno, e esse veneno, por ser produto de inveja, autopiedade e ódio, passou a ser mortal. 

Seres humanos também não voam. Mas por caírem e levantarem, aprenderam a andar com as próprias pernas. Por admirar a beleza e sentir-se triste com a miséria, a fome e a dor, sentiram o desejo de transformar a realidade, então, aprenderam a produzir com as próprias mãos. Por acreditar em mudanças, desenvolveram a fé e a esperança, e foram capazes de olhar para o céu. Vendo o imenso céu azul, infinito do tamanho do coração de uma mãe ou de uma criança, mesmo sem poder voar criaram asas, e com essas asas que cresceram em seus corações e em suas mentes, foram capazes de voar cada vez mais alto.

As serpentes continuaram como eram e não suportaram que seres humanos fossem capazes de sonhar. Não quiseram mudar porque odiar era mais fácil e já estavam acostumadas a produzir veneno dentro delas mesmas. Então decidiram sempre tentariam envenenar mentes, incentivar medos, destruir projetos e perseguir sonhadores. 

Um velho certa vez me contou que as serpentes põe ovos invisíveis no chão e que nós, ainda quando engatinhamos, os engolimos sem que ninguém veja. Eles estão em todos nós, mas só conseguem gerar novas serpentes se produzirmos veneno em nós mesmos.

Então mesmo quando estou muito triste, como hoje, olho para o céu e penso em tudo que há de bom e belo nessa vida. Faço uma prece silenciosa, peço fé e esperança e deixo meu coração voar. Não é da minha natureza produzir veneno ou me transformar em serpente.

Emerson Luiz 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Despedida



Tudo na vida passa
nada é como antes.
Não tem pra sempre
entre nós, viajantes.
Queria ir só depois
me chamaram antes.

Eu queria ficar aqui
sem ter que ir, jamais!
Nunca ter que morrer
levar comigo tua paz
ficar só um instante
um pouquinho mais.

Mas foi mais forte que'u
a morte, fim da vida.
Ela levou-me embora
para terra prometida!
Fica tu com meu Deus,
t'espero noutra vida!

Emerson Luiz

UMA LIÇÃO SOBRE FORÇA




Um pai viu de longe a cena. Num jogo de futebol onde a rua servia de campo, um menino empurrou e humilhou seu filho quando este sofreu um gol. O humilhado era maior que o menino exaltado e partiu para resolver a questão no braço.

_ Guilherme! - Gritou o pai. - Para casa! Agora!

O menino veio chorando, frustrado em sua vingança.

_ Quem começou foi ele! - Apressou-se em justificar.

_ Eu vi.

_ E por que não me deixou bater nele? Ele falou mal da mãe e tudo!

O pai passou a mão na cabeça do filho depois de fechar o portão.

_ Não deixei que você batesse nele porque você é um bom menino. Pessoas boas devem aprender a conviver com o fracasso e com a sucesso. Os dois tem muito a ensinar. A derrota nos ensina ainda mais, pois nos permite rever estratégias, pensamentos, atitudes e até o valor que damos a algumas pessoas. Os verdadeiros amigos de um homem se apresentam nos momentos em que quase todos acreditam que ele está derrotado.

O seu colega não aprendeu a conviver com o fracasso e isso é ruim. Caso ele não mude sofrerá muito e se subir muito alto poderá ser bem pior. Quanto mais alto se sobe maior é a dor quando se cai. Mas não lhe chamei porque queria ensinar sobre fracasso ou sucesso, queira lhe ensinar sobre força.

Guilherme não mais chorava. Ele olhava atenciosamente para o pai.

_ Você é maior, mais rápido e mais esperto que aquele menino. Com certeza poderia ter lhe dado uma boa surra. Mas a força de um homem não reside em ele poder ser violento com os que não podem se defender dele. Um homem de força não precisa ser violento nem retribuir insultos, meu filho. Um bom homem aceita suas limitações e tenta sempre ser melhor. E lembre: Nunca melhor que os outros, mas sempre melhor para os outros.

Emerson Luiz

O EX-NAMORADO


Como toda boa mulher, Patrícia iniciou o processo de esquecimento de Hélio no dia em que terminaram o namoro. Não foi fácil. Quando saía com as amigas era só sorriso, nas festas estava sempre divina e poderosa, mas houve dias em que ouvir Ana Carolina era um tormento para o seu coração. Bombons consumidos vorazmente nas noites de tédio e horas e mais horas em redes sociais, mas depois de seis meses se sentia curada. Não sentia mais falta dele, do seu gosto por músicas, pelo seu porte, por sua mania de andar sempre transado, com jeans justos e camisas de grife, aquela sensibilidade, sua companhia constante até quando ela ia às compras! Onde haveria outro igual?

Mas agora Ana Carolina podia cantar até criar calos em suas maravilhosas pregas vocais que ela não ligaria. Perdera os quilos ganhos com o chocolate e vestia, orgulhosa, calças no tamanho 36! Naquele sábado ela foi ao shopping com as amigas, mas não ia mais comprar para suprir a carência, era consumismo mesmo.

E quando estava feliz e sorridente avistou Hélio saindo da Calvin Klein. Ele estava mais forte, o peito musculoso parecia querer saltar da camisa e os jeans justos davam ainda mais destaque as suas coxas. Triste daquele que pensasse que mulheres não observavam o corpo dos homens! Ele estava maravilhoso, então ela fez o que qualquer uma em seu lugar faria: fingiu ignorá-lo.

Suas amigas também fingiam olhar para as vitrines, mas desejavam que Patrícia não tivesse ido com elas, assim, quem sabe, poderiam disputar só entre elas por aquele Adônis. Mas se percebeu a intenção dela, Hélio não deu qualquer importância. Caminhou lentamente até ela.

_ Patty.
Era assim que só ele a chamava.
_ Oi. Se esforçou para ser fria ao responder.
_ Pensei tanto em você em dias. Nos nossos momentos e em tudo que vivemos.
_ Foi? O coração já batia acelerado, mas ela ia resistir. Eu mal lembrei de você.
_ Uma pena. Lembro de você no mar, linda como uma sereia. Nossa, parecia o nascimento da Vênus sempre que saía da água.
Ela mordeu o lábio inferior. As amigas seguiram andando, sem querer atrapalhar e Patrícia se viu sozinha. Vou resistir.
_ E de que mais você lembrou?
_ Do cheiro do seu perfume. Nunca perguntei o nome porque tinha medo de parecer bobo, mas aquilo tinha em mim um efeito animal.
Ela lembrava. Patrícia tinha aquele perfume como sua arma infalível. Hélio ficava louco com aquela fragrância e se incendiava.
Ele respirou fundo, como que tentasse farejar algo.
_ Você não o usa mais?
Como usaria? Para lembrar dos beijos, das mãos percorrendo seu corpo, dos dois engalfinhados como dois animais até que explodiam como estrelas?
_ Não mais.
_ Faria tudo para senti-lo de novo. Acho que qualquer homem que sentisse um perfume daquele. Concorda?
_ Acho que sim. Ela ia ser difícil.
_ Qualquer um teria vontade de rasgar suas roupas e cair no chão com você!
Patrícia agora sentia calor.
_ De sussurrar em seu ouvido, dizer o quanto te deseja e que quer ficar preso naquele momento por toda a vida!
_ Sim, sim! Ela já estava abraçada a ele.
_ Qual o nome do perfume?
_ Ah, Hélio, quanta saudade. Vamos sair daqui primeiro?
_ Não! Preciso saber, preciso muito saber! Aquela fragrância floral e doce, tão sensual, tão... Qual o nome do perfume?
_ 212 Sexy, da Carolina Herrera.
_ Claro! Disse ele se desvencilhando. Você o encontra nesse Shopping, não é?
_ Mas... você não quer senti-lo em mim?
_ Em você? Não meu anjo. Criatura, acorda, tá?
_ Mas como assim, Hélio? Eu pensei que sentia falta de nós.
_ Não querida. Eu sentia falta daquele cheiro. Se ele fazia alguém como eu ficar louco, o que vai fazer com o Paulão?
_ Paulão? Paulão o motorista do meu pai? Hélio, eu não acredito que você é gay!
_ Patty, amiga, aceita que dói menos. Eu vivia preso e foi graças a você que conheci o Paulão! Nunca vou te esquecer! Agora vou indo porque tenho que comprar aquele bendito perfume. A propósito, você emagreceu. Tá linda, um luxo! Bye.
E Patrícia ficou parada, refletindo sobre aquilo. Como um cara atencioso, sempre seguindo a última tendência, preocupado com o físico, amante das artes, que adorava ir às compras com ela podia ser gay? Ou melhor, como podia não ser gay? Ela não ia perder tempo com terapia por conta dele. Pegou o celular e ligou para um antigo conhecido.
_ Jorge? Sou eu, Patrícia. Isso, aquela que você conheceu no baile funk.
Ela precisava de algo para lavar a alma, e não seriam as compras.

Emerson Luiz