Contos


O EX-NAMORADO

Como toda boa mulher, Patrícia iniciou o processo de esquecimento de Hélio no dia em que terminaram o namoro. Não foi fácil. Quando saía com as amigas era só sorriso, nas festas estava sempre divina e poderosa, mas houve dias em que ouvir Ana Carolina era um tormento para o seu coração. Bombons consumidos vorazmente nas noites de tédio e horas e mais horas em redes sociais, mas depois de seis meses se sentia curada. Não sentia mais falta dele, do seu gosto por músicas, pelo seu porte, por sua mania de andar sempre transado, com jeans justos e camisas de grife, aquela sensibilidade, sua companhia constante até quando ela ia às compras! Onde haveria outro igual?

Mas agora Ana Carolina podia cantar até criar calos em suas maravilhosas pregas vocais que ela não ligaria. Perdera os quilos ganhos com o chocolate e vestia, orgulhosa, calças no tamanho 36! Naquele sábado ela foi ao shopping com as amigas, mas não ia mais comprar para suprir a carência, era consumismo mesmo.

E quando estava feliz e sorridente avistou Hélio saindo da Calvin Klein. Ele estava mais forte, o peito musculoso parecia querer saltar da camisa e os jeans justos davam ainda mais destaque as suas coxas. Triste daquele que pensasse que mulheres não observavam o corpo dos homens! Ele estava maravilhoso, então ela fez o que qualquer uma em seu lugar faria: fingiu ignorá-lo.

Suas amigas também fingiam olhar para as vitrines, mas desejavam que Patrícia não tivesse ido com elas, assim, quem sabe, poderiam disputar só entre elas por aquele Adônis. Mas se percebeu a intenção dela, Hélio não deu qualquer importância. Caminhou lentamente até ela.

_ Patty.
Era assim que só ele a chamava.
_ Oi. Se esforçou para ser fria ao responder.
_ Pensei tanto em você em dias. Nos nossos momentos e em tudo que vivemos.
_ Foi? O coração já batia acelerado, mas ela ia resistir. Eu mal lembrei de você.
_ Uma pena. Lembro de você no mar, linda como uma sereia. Nossa, parecia o nascimento da Vênus sempre que saía da água.
Ela mordeu o lábio inferior. As amigas seguiram andando, sem querer atrapalhar e Patrícia se viu sozinha. Vou resistir.
_ E de que mais você lembrou?
_ Do cheiro do seu perfume. Nunca perguntei o nome porque tinha medo de parecer bobo, mas aquilo tinha em mim um efeito animal.
Ela lembrava. Patrícia tinha aquele perfume como sua arma infalível. Hélio ficava louco com aquela fragrância e se incendiava.
Ele respirou fundo, como que tentasse farejar algo.
_ Você não o usa mais?
Como usaria? Para lembrar dos beijos, das mãos percorrendo seu corpo, dos dois engalfinhados como dois animais até que explodiam como estrelas?
_ Não mais.
_ Faria tudo para senti-lo de novo. Acho que qualquer homem que sentisse um perfume daquele. Concorda?
_ Acho que sim. Ela ia ser difícil.
_ Qualquer um teria vontade de rasgar suas roupas e cair no chão com você!
Patrícia agora sentia calor.
_ De sussurrar em seu ouvido, dizer o quanto te deseja e que quer ficar preso naquele momento por toda a vida!
_ Sim, sim! Ela já estava abraçada a ele.
_ Qual o nome do perfume?
_ Ah, Hélio, quanta saudade. Vamos sair daqui primeiro?
_ Não! Preciso saber, preciso muito saber! Aquela fragrância floral e doce, tão sensual, tão... Qual o nome do perfume?
_ 212 Sexy, da Carolina Herrera.
_ Claro! Disse ele se desvencilhando. Você o encontra nesse Shopping, não é?
_ Mas... você não quer senti-lo em mim?
_ Em você? Não meu anjo. Criatura, acorda, tá?
_ Mas como assim, Hélio? Eu pensei que sentia falta de nós.
_ Não querida. Eu sentia falta daquele cheiro. Se ele fazia alguém como eu ficar louco, o que vai fazer com o Paulão?
_ Paulão? Paulão o motorista do meu pai? Hélio, eu não acredito que você é gay!
_ Patty, amiga, aceita que dói menos. Eu vivia preso e foi graças a você que conheci o Paulão! Nunca vou te esquecer! Agora vou indo porque tenho que comprar aquele bendito perfume. A propósito, você emagreceu. Tá linda, um luxo! Bye.
E Patrícia ficou parada, refletindo sobre aquilo. Como um cara atencioso, sempre seguindo a última tendência, preocupado com o físico, amante das artes, que adorava ir às compras com ela podia ser gay? Ou melhor, como podia não ser gay? Ela não ia perder tempo com terapia por conta dele. Pegou o celular e ligou para um antigo conhecido.
_ Jorge? Sou eu, Patrícia. Isso, aquela que você conheceu no baile funk.
Ela precisava de algo para lavar a alma, e não seriam as compras.


O Policial e o Gigante

Oliveira era policial. Um cara culto, boa praça, detestava estereótipos. Piadas preconceituosas e o senso comum o deixavam profundamente irritado. E as redundâncias, então, nem pensasse em emiti-las próximo desse distinto membro da força policial do nobilíssimo estado de Alagoas. Conta a lenda que Oliveira saiu da corporação no dia em que tentou dar voz de prisão a um marido exaltado que discutia com a amante em via pública.

- Mas seu guarda!
_ “Seu” coisa nenhuma, cidadão. Não pertenço a ninguém e não sou guarda, sou oficial da polícia militar!
_ Tudo por causa dessa loira burra sem inteligência! E, com essa redundância, Oliveira perdeu a calma. Meteu-lhe a mão e o empurrou na viatura. _ Aprenda a falar, malacafento!
A palavra machucou o elemento mais que a pancada. O que porra era “malacafento”?
_ Senhor policial militar – Ele não queria apanhar novamente. – O que é malacafento?
O homem era uma vítima da péssima educação pública e da falta de oportunidades. O lado social de Oliveira refreou sua fúria.
_ É um sinônimo para nojento, abominável, asqueroso, odioso... em suma: um achacado.
_ Chame ele de veado não! – Gritou a loira que antes estava sendo agredida.
_ Senhora, eu não o chamei de qualquer animal, apenas...
_ Chamou sim que eu vi!
Os nervos de Oliveira já não eram os mesmos. Sua face começava a ficar vermelha.
_ A senhora quer dizer que ouviu!
_ Vi sim que não sou surda!
_ É cega! – Gritou Oliveira!
_ Ei, rapaz, respeite Craudirene!
_ Claudilene! – Oliveira agora levou as mãos a cabeça, nitidamente nervoso.
_ A nêga é minha, rapaz! E quer saber mais que eu?
_ Só estou dizendo que o nome de sua esposa...
_ Esposa, nada – Interrompeu a loira. – Amante?
_ Como?
_ Hei, isso é função minha. Além de chegar batendo e me chamando de veado quer pegar a Craudirene?
_ E o que o senhor tem contra os gays? Um transeunte agora entrava na discussão. Olha, gente, o policial homo fóbico tá agredindo um rapaz aqui.
Mais gente se aproximava agora.
_ O senhor está equivocado, esse elemento batia na mulher quando eu ia passando na viatura. Cabo Wellington é minha testemunha. Apontava para o homem fardado que não desceu da viatura.
_ O elemento aqui tem nome, viu? É Maycão. E o senhor que me prender porque tem preconceito.
_ Mas não falei da sua cor.
_ E o que tem a cor dele? O senhor além de homo fóbico é racista? O moço agora fazia parte da discussão.
_Não! Cabo Wellington, preciso de um apoio aqui! – Wellington era amigo, mas não altruísta a ponto de comprar aquela briga, então fingiu que não ouvia ou via nada do que estava ocorrendo.
Já havia uma pequena multidão em volta de Oliveira. Estudantes que passavam pararam e sentaram no chão. Dois homossexuais vaiavam o policial, o homem que antes ia ser preso agora gritava:
_ Isso é violência! Violência de uma polícia preconceituosa!
Um carro parou próximo deles e um jornalista que estava de férias no litoral nordestino correu para registrar aquilo. Afinal, a imprensa nunca dorme.
_ Imprensa, imprensa! O que está havendo?
Oliveira teve vontade de autuar todos ali por desrespeito à autoridade, mas queria ser diplomático. Cada um dos presentes deu sua versão, os jovens já tiravam fotos e postavam no facebook: 

A CASA CAIU AQUI. POLICIAL QUER PRENDER CARA SÓ PORQUE É GAY. #LOIRA GOSTOSA BRIGA COM MARIDO E POLIAL GAY TEM CIÚME; #PARTIU#BRIGA#VEM PRA RUA!

As pessoas já cantavam o hino nacional e outras gritavam palavras de protesto. Oliveira correu para a viatura e saiu como um gato foge de um dobermann enfurecido.  Pediu exoneração no outro dia ao chegar numa banca de jornais e dar de encontro com a capa de Veja daquela semana:

POLÍCIA FACISTA NO NORDESTE PROMOVE ATOS VIOLENTOS CONTRA NEGROS E HOMOSSEXUAIS. Depoimentos de testemunhas alertam sobre supostas milícias organizadas pelo PT para manter hegemonia em municípios nordestinos.


Oliveira ainda se pergunta como um país que se pretende sério é capaz disso, mas tinha medo de encontrar as respostas. Vivemos em uma época estranha, onde agir da forma correta é um ato de ditadura. Como vingança Oliveira pretende se lançar como cantor de Funk. Seu primeiro trabalho é chamado de Ex-puliça, sobrevivendo no inferno. 

Emerson Luiz

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PSICANALISTA



_ Boa noite. Bem, devo dizer que é estranho atender a noite. Todos esses anos como psicanalista é a primeira vez que um cliente fez questão desse horário.
_ É que sou sensível a luz do sol. Onde me sento?
O Doutor aponta para uma confortável poltrona.
_ O senhor pode deitar no sofá, se quiser. Ele se apressa em dizer.
_ Eu fico muito tempo deitado, sentado está bom, responde o cliente com uma voz grave e muito calma enquanto senta-se.
_ Então, o senhor é médico? Indaga o psicanalista.
_ Não, não. Tenho muito apresso por anatomia e biologia, mas não sou médico não.
_ Está aqui na sua ficha. A Sofia, minha secretária anotou. Dr. Cula. Achei até que era um nome muito incomum.
_ Não. O nome é Drácula. Sou um nobre de uma longa e antiga dinastia originada na Bavária.
_ Ah, Sofia da puta – o psicanalista fala quase num sussurro.
_ É a primeira vez que venho num consultório desses. Por onde começo?
O psicanalista começa a notar a pele pálida do paciente, as unhas grandes e os olhos profundos. Pensa que o caso pode ser mais sério, que ele pode ter transtornos graves.
_ O senhor pensa que é vampiro? Dispara.
_ Não diga isso! Não assim tão alto, eu tenho vergonha.
_ Vergonha de pensar que é um vampiro? Acredite, já vi casos piores. Um dos meus pacientes queria ser igual o Arnaldo Jabor.
_ Eu sou um Vampiro – disse Drácula quase desabando na poltrona – mas hoje sinto vergonha de assumir isso.
O único som que podia ser ouvido era o do lápis sobre o bloco de folha nas mãos do psicanalista.
_ E quando isso começou?
_ Com o filme crepúsculo. Eu gosto do cinema, sabe? A gente pode morder uns pescoços no escuro e ninguém nota. As vezes até assisto os filmes. Quando vi o cartaz pensei: ninguém vai achar estranho um cara que parece vampiro assistir um filme desses. O senhor entende?
O lápis continuava a percorrer o papel.
_ Então... é pra continuar, não é?
O psicanalista continuou em silêncio.
_ Certo. Bem, fui ao cinema. Comecei a ver o filme e até tive vontade de morder o pescoço da atriz que faz Bella. Aquele lance dela de manter as mesmas expressões faciais para todas as emoções me fez lembrar de uma morta-viva que namorei séculos atrás. Aí aparece o Edward. Vampiro andar de dia não é novidade, o Wesley Snipes fez isso em Blade, mas vampiro de gibi não existe, todo mundo sabe disso. O Edward não mordeu a menina, brilhava a luz do dia e o pior, aparentava ter interesse no lobisomem! Doutor, nós, os vampiros, somos seres que seduzem antes de se alimentar. Nos orgulhamos disso. Mas depois que aquele cara disse: “Eu sou perigoso, Bella”, pronto! Viramos piada. Agora sempre que mostro as presas as mulheres elas tem ataque de riso. Outras fazem pior: “Pensei que tinha saído com um macho alfa, um homem sofisticado. Não curto esses lances não” e vão embora. Eu era um garanhão, agora só tomo sangue de saquinho. O que posso fazer? Tem algum remédio, algo que me dê coragem de me assumir como Vampiro?
_ Esse lance de se assumir é complicado. Você não pode ficar se prendendo por aquilo que as pessoas vão achar. Você tem que se soltar, ser você.
_ Mas é tão difícil.
_ Ora, o senhor pode se espelhar em grandes exemplos. Veja o filme de Francis Ford Copolla, veja o Nosferatu, a hora do espanto, leia os livros de Stephen King!
_ Ok. Eu vou tentar.
O psicanalista se levanta e aponta a porta.
_ Seu tempo acabou. Mesma hora semana que vem.
_ Certo. O conde levanta e enxuga as lágrimas.
_ Só mais um coisa – diz o psicanalista – É melhor não assistir Diários de um Vampiro.


Emerson Luiz

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