Depois de uma longa vida, José morreu.
Ele soube que ia morrer algumas horas
antes, embora os médicos tenham dito aos seus familiares que seu quadro clínico
havia melhorado. Mas ele não foi o primeiro idoso a sentir-se bem pouco antes
de partir. Com as forças que possuía, pediu para a esposa chamar os quatro
filhos e deu os conselhos finais a todos, pediu paciência com os erros dos mais
novos e a estes pediu que escutassem com atenção as palavras dos mais velhos.
Sorriu e disse que deixava sua esposa ao cuidado deles e por fim, desejou que
todos pudessem perdoá-lo pelas suas faltas. Então, como se fosse dormir, José
fechou os olhos e morreu.
Após deixar o corpo José teve medo. Na
verdade, sempre temeu aquele momento. Era um pecador, um homem rude que pouco
leu em sua vida e que agora não tinha mais tempo para corrigir nada. Mas o medo
o abandonou e ele só sentia a paz. Estava diante do infinito, e não importa
para onde olhasse, só via um espaço branco formado por nuvens.
_ Eu estou no Céu? Perguntou em alta
voz.
_ Ainda não José.
Havia um homem simpático ao seu lado. Um
pouco mais velho que ele, mas que irradiava força e bondade.
_ Então é o purgatório?
_ Não. Você acha que merecia o
purgatório?
_ Tive meus pecados.
_ Vocês costumam ser muito severos.
Pedem perdão pelos pecados e não aceitam que foram perdoados. Continuam a se
castigar mesmo depois que alcançam o perdão. Você rezava o Pai Nosso todas as noites com sua esposa antes de dormirem. Vocês
os ensinaram a todos os seus filhos. Será que nunca escutou ‘perdoa as nossas ofensas assim como
perdoamos a quem nos tem ofendido’? Deus escuta as preces sinceras, José.
Escuta e as atende.
_ A gente tem medo de não agradar a
Deus.
_ Você foi um bom pai, José. Ensinou
seus filhos o que era certo e o que era errado, se sacrificou por eles, foi
amigo, companheiro e era um homem justo. Seus filhos o amavam tanto que não o
desobedeciam porque não lhe queriam mal. Ver você triste era para eles o pior
do castigo. Isso é amor. Deus é Pai, José. Revelou-se e ensinou seus filhos, e
eles o obedecem por amor e não por medo.
_ Eu sempre tive fé em Deus, mas não fui
daqueles que saíam convidando para ir a Igreja. Eu achava isso bonito, mas
nunca tive coragem de fazer.
_ Todos recebem um dom. Uns catam,
outros oram, outros explicam a Palavra, mas todos, todos mesmo, devem saber
amar. E você amou muito! Você era
pedreiro, certo? Você trabalhou honestamente, deu esmolas, aconselhou os amigos
a fazerem as coisas certas, não mentiu ou fraudou ninguém e ainda ajudava
vizinhos a fazerem pequenos reparos que eles nunca tinham meios de pagar. Você
tinha pouco, mas partilhava o que recebia e transformava esse pouco em muito.
Uma vez organizou seus amigos e todos trabalharam de graça para fazer uma casa
de tijolos para uma senhora que criava dois netos e morava em um barraco
erguido com restos de madeira, lata, lona e papelão. Porque você fez isso?
_ A coitada não tinha ninguém por ela.
Ficou sozinha com os netos e a gente não podia ver aquilo sem fazer nada. Os
pobrezinhos eram filhos de Deus.
_ Você levou Deus até eles. Seus amigos
sentiram a felicidade de fazer o bem se esperar recompensas, de ajudar quem
realmente precisava e quando entregaram a casa aquela senhora todos se sentiram
em paz, porque Deus estava com eles, os confortando e agradecendo em seus
corações. Deus está em tudo e em todos, José. Em cada ato de bondade e de
misericórdia. Em cada perdão e em cada gesto de amor. Não há maior benção para
um pai do que a felicidade de seus filhos. E como os pais ficam contentes ao
perceberem que seus filhos se tornaram homens e mulheres de bem. Deus é Pai.
_ Meus filhos me chamavam de Painho.
_ É a intimidade que o amor permite.
Jesus também chamou Deus de Painho. Ele chamava Deus de Abba, que em sua língua
seria Painho.
_ Vendo assim eu fico contente. Acho que
cuidei bem da minha família. Tenho pena da minha esposa. Vai ficar sozinha.
_ Você cuidou bem de sua família. Seus
filhos desejam serem bons pais e boas mães porque tiveram um bom pai e tem uma
boa mãe. Vocês souberam acolher Deus entre seus filhos e eles cuidarão dela com
amor. As pessoas geralmente dão o que têm, e só têm aquilo que recebem. Você os
deu muito amor.
_ Então sei que posso encontrar Deus sem
ter vergonha do que fiz.
_ Você já o encontrou, José. Encontrou
Deus quando ajudou a quem precisava, quando visitou os doentes, quando repartiu
seu pão e o viu todos os dias nos olhos de sua esposa e de seus filhos. Agora
você estará mais próximo dele. Colherá os frutos que plantou.
_ E pensar que cheguei a temer esse dia.
– Disse José enquanto as nuvens se abriam e ele vislumbrava a Glória.
_ Deus é Pai, José. Só os filhos
desobedientes e perversos têm medo do seu pai.
Emerson Luiz.
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